Há 101 anos atrás, no dia 27 de fevereiro, morria o pioneiro do entretenimento carioca, depois dele a noite do Rio nunca mais foi a mesma, PASCHOAL SEGRETTO (foto ao lado). Nascido na província italiana de San Martin di Cileno, em 1868, Paschoal chegou ao Brasil com 15 anos, junto com seu irmão GAETANO, embarcando no vapor “Savoie” para o Rio de Janeiro. Aqui ficou na Ilha das Flores, junto com vários outros imigrantes aguardando liberação para entrar na cidade. Começou trabalhar como vendedor de jornais, um dos poucos trabalhos disponíveis para jovens imigrantes, e criados soltos nas ruas da cidade tanto ele como o irmão chegaram a ser presos várias vezes acusados de pequenos delitos.
A comunidade italiana que se formava na cidade criava redes de solidariedade e logo dominaram o mercado jornaleiro, destacando-se duas famílias italianas da época LABANCA e STAFFA. Seu irmão enveredou por esse ramo e foi o pioneiro das bancas fixas de jornal, o que lhe deu notoriedade e permitiu alçar voos mais altos como a criação de um jornal voltado para a comunidade italiana chamado IL BERSAGLIERE, que teria seu irmão Paschoal como sócio, posteriormente.
O Rio de Janeiro começava a se tornar cidade grande no final do século XIX, além de capital do Império e depois também da República, passava por um aumento exponencial do seu centro comercial, a partir de 1880, quando cresceu o pedido de licenças de abertura de empreendimentos. Juntos com esse crescimento veio as reformas urbanas e melhorias da iluminação pública e transporte público o que fez com que as pessoas transitassem mais nas ruas à noite, o que era perigosíssimo na época do Império, começa a surgir então o interesse pelo entretenimento.
As diversões públicas da época eram voltadas para o teatro, comum para um público ainda muito seleto, aonde o mais tradicional era o Teatro de SÃO PEDRO (hoje chamado João Caetano) e para os esportes, tendo o remo como esporte de massa do final do século XIX e início do século XX. O lazer ficava restrito aos jogos de azar, que eram muito criticados pela imprensa e vistos com desconfiança pelo Poder Público. Neles se destacavam Luiz Galvez, Barão Drummond (criador do jogo de bicho) e JOSÉ ROBERTO CUNHA SALES, famoso empreendedor que também foi envolvido com jogos de azar, além de ter sido um dos maiores donos de patentes do país na época.
Paschoal conhece Cunha Sales e recebe uma proposta de ser sócio em um empreendimento revolucionário, montar a primeira sala de cinema do país. Até então só se conhecia no país filmes curtos exibidos por exibidores ambulantes, o mais famoso foi PAILLIE, francês que cobrava uma pequena fortuna, quando estava em trânsito pela cidade. O CINEMATÓGRAFO localizado na rua do Ouvidor (o endereço mais nobre do centro da cidade na época), foi inaugurado no dia 31 de julho de 1897, recebendo o nome de SALÃO DE NOVIDADES PARIS no RJ, depois Cunha Sales recebeu autorização de abrir outro salão em Petrópolis ficando um tempo naquela cidade, até o Presidente Prudente Morais conheceu o espaço. Eles criaram a revista ANIMATÓGRAPHO, considerada a primeira revista especializada em cinema do Brasil. Durante seu funcionamento o filme que fez mais sucesso chamou-se “OS ESTRANGULADORES”, que em 1906 foi exibido 800 vezes, outra curiosidade eram as dublagens ao vivo, pois atores tinham que emprestar suas vozes aos filmes, que ainda não possuíam áudio. Suas instalações precárias foram causadoras de alguns incêndios na casa, não se sabe bem em que parte da rua (na hoje decadente Ouvidor) foi a lendária sala.
Muito do sucesso da casa deve ao espírito empreendedor de Pascoal que percebendo o fascínio do público pelo entretenimento mandou um outro irmão chamado AFONSO SEGRETTO para Paris conhecer e se especializar, na Pathé Films sobre as novas tecnologias, a consequência foi que após 7 meses do lançamento em Paris, o Rio de Janeiro era a primeira cidade na América a ter um VITOSCÓPIO-SUPER-LUMIÈRE. E para marcar a data fizeram o primeiro registro cinematográfico da cidade em 8 de julho de 1898, que recebeu o nome de “ANCORADOURO DE PESCADORES NA BAÍA DE GUANABARA”, primeiro filme brasileiro. Depois passaram a fazer registros do cotidiano da cidade.
Com uma visão única para os negócios, Paschoal percebe que as pessoas saíam eufóricas do cinematógrafo e as ruas ficavam cheias, logo tratou de investir em cafés e cervejarias próximas, no quarteirão e assim começa a acumular dinheiro para dar sua tacada de mestre, investir em casas de espetáculo. Assim nasce a MAISON MODERNE, o maior centro de entretenimento da época. Lá o público encontraria roda gigante, montanha russa, tiro ao alvo, teatro, arena para lutas greco-romanas e até exposição de animais (havia um leão numa jaula que causava delírio do público), tudo isso na atual e também decadente Praça Tiradentes. Com o tempo, Paschoal arrendou também teatro São Pedro, Carlos Gomes e São José, o local passa a ser chamado de “Mont Martre” carioca. A noite carioca nunca mais seria a mesma.
Seguindo seus instintos abriu outras casas para variados públicos como a “HIGH LIFE” (voltado para a burguesia dos bairros do Catete e Glória), o PARQUE FLUMINENSE (para o público mais familiar do bairro das Laranjeiras) e o famoso PAVILHÃO INTERNACIONAL (na Av. Central, atual Rio Branco, no centro da cidade) voltado para as camadas populares, aonde havia shows eróticos e lutas de ringue. Foi lá que ocorreu a famosa luta de vale tudo entre o capoeirista CIRÍACO e o lutador SADO MIAKO, em 1909, quando o capoeirista venceu com um rabo de arraia certeiro (ver texto no Instagram, link: https://www.instagram.com/p/BSFhCYChPDY/?igshid=169cnp7e5euru).
Paschoal enxerga no TEATRO DE REVISTA, que caía cada vez mais no gosto popular o entretenimento ideal para suas casas de espetáculo, chegando a ser chamado pelo famoso Procópio Ferreira (grande ator da época) “papa do teatro brasileiro”. Ele foi o criador das sessões de teatro, quando passou a se oferecer 2 a 3 sessões por dia, a preços baixos, isso tornou o teatro acessível as camadas populares e propagou arte para a cidade. Em 20 anos, ele se tornara o homem da noite carioca o que logo lhe propiciou contato com várias autoridades e frequentes citações na imprensa como na revista Fon-Fon, uma das mais influentes da época. Também estendeu seu império para outras cidades como São Paulo (casa de espetáculos Politeama e Eldorado), em Santos (o Varietés), em Campos (também chamado Salão das Novidades) e em Niterói (Frontão, aonde se jogava a pelota basca).
Morador do bairro de Santa Teresa, apesar de conhecer a noite da cidade como ninguém tinha a incrível fama de não beber e nem gostar de boêmia, não teve filhos, mas criou os sobrinhos, filhos do irmão Gaetano, que morreu em 1908. Paschoal teve complicações da diabetes e faleceu em 1920. Seu cortejo fúnebre foi acompanhado por aproximadamente 500 carros, com grande cobertura da imprensa nacional, seu caixão foi levado de bonde de Santa Teresa até o Centro e de lá carregado pelas ruas do Centro que ele tanto animou até o Cemitério de Botafogo. As floriculturas de Petrópolis tiveram que enviar flores para o velório, pois as da cidade esgotaram seu estoque rápido.
Fica a homenagem a esse grande homem que não foi lembrado nem no seu centenário pelas autoridades da cidade.
Se algum dia, o RJ já teve glamour, Paschoal foi um dos responsáveis !!
André Luiz S. Marinho
(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)
Veja mais sobre cultura brasileira:
Instagram – @bondeangola
Facebook – https://www.facebook.com/andre.marinho.9277/posts/10219700234562827