Há 14 anos (em 21 de abril) morria a mãe de santo mais famosa da Umbanda carioca, CACILDA DE ASSIS (Foto). Nascida em Valença (interior do Estado do RJ) teve o despertar para mediunidade ainda criança com 7 anos, sua família, apesar de muito católica, procurou uma rezadeira da região, que os orientou a buscar ajuda espiritual.
A família a leva ao Terreiro de Pai Benedito do Congo aos 15 anos e lá ela passa a ser preparada com tempo para sua missão espiritual, aonde aprendeu tudo com seu mentor espiritual. Ela assume a responsabilidade de liderança da casa e por lá fica até a década de 50, quando sua pomba-gira, DONA AUDARA MARIA, determina que o filho carnal de Dona Cacilda jogasse na loteria com os números dados por ela, o que ganhassem seria usado para montar seu próprio terreiro. O número dá inteiro no primeiro prêmio. É então fundada a TENDA ESPÍRITA FILHOS DA CABOCLA JUREMA, no bairro de Cavalcanti (subúrbio do RJ).
Com o grande crescimento obtido pelo seu terreiro por conta das consultas de Seu SETE DA LIRA, o exú com o qual ela atendia os consulentes. O terreiro teve que se mudar para o bairro de Santíssimo, lugar ermo e distante do Centro da cidade, que de repente passou a receber um fluxo de pessoas jamais visto pelos seus poucos moradores esse movimento passa a desenvolver economicamente o comércio do bairro. Seus atendimentos se iniciavam com seus pontos de firmeza, cantigas para Santo Antônio e algumas cantigas compostas pela própria mãe Cacilda. Após a abertura, Seu Sete gostava de ouvir de tudo desde sambas, passando por valsas, choros, boleros, sucessos de carnaval, podendo passar por músicas de NICCOLÒ PAGANINI, o violinista italiano do século 19, até a AVE MARIA de Gounod. Tudo isso regido por atabaques, cavaquinhos, pandeiros, chocalhos entre outros instrumentos. Sua vestimenta incluía colete, gorro, cartola, bota e uma capa de 7 quilos que normalmente era usada pela médium durante toda a madrugada, também não podia faltar sua garrafa de cachaça e charuto.
Sua FEIJOADA passou a ser uma dos eventos mais concorridos do subúrbio carioca da década de 60. A festa se iniciava por volta das 14:00hs do dia 07 de setembro e não tinha hora para acabar. A gira prosseguia fervorosamente se estendendo pelo dia seguinte e só acabava quando o público presente começava a ir embora. Sua fama de milagreiro repercutia em toda a cidade e passa a ser comum a presença de jogadores de futebol, políticos e artistas. O sucesso é tanto que pela primeira vez uma mãe de santo vira capa da revista CRUZEIRO (vestida com os trajes de seu Exú), a mais famosa da época. Mãe Cacilda também é convidada para gravar um LP (gravadora ODEON) e cantar as famosas cantigas de seu terreiro, ganha um programa na RÁDIO METROPOLITANA do Rio de Janeiro para difundir a Umbanda, no carnaval cria-se o BLOCO DA LIRA, aonde ele aparecia presencialmente, ganhando até prêmio de destaque do carnaval e o adesivo de proteção para colocar no carro vira febre na cidade, definitivamente Exú é alçado ao status de ASTRO POP.
Mas essa popularidade teria um preço. Entre os frequentadores também se incluía CHACRINHA e FLÁVIO CAVALCANTI, dois apresentadores de TV que disputavam na época a audiência do domingo á noite. Em uma dessas visitas teria Flávio desafiado a entidade a ir no seu programa ao vivo na extinta TV TUPI, Seu Sete aceita e marca a data. Mãe Cacilda quando descobre ficou muito contrariada e tentou de tudo para cancelar essa apresentação como se já adivinhasse o que lhes esperava, mas conforme o combinado no dia 29/08/1971 (domingo), após alguns atendimentos internos a entidade manda todos se preparem para levá-lo até os estúdios aonde ocorria o programa, nesse dia saiu uma caravana de Santíssimo até o bairro da Urca em um dia que entraria para a história da TV brasileira.
Em resposta aos filhos de santo, Seu Sete respondia que precisava propagar sua mensagem de paz e amor para todos. Do outro lado, havia uma pequena multidão o aguardando, já que o apresentador passou uma semana anunciando a “atração”. Chegando no local, o EXÚ SETE DA LIRA não se fez de rogado e com sua capa preta, cachaça na mão e charuto adentra triunfante nos estúdios sem dar tempo de nenhuma apresentação. Seus filhos de santo vão atrás levando atabaques e o programa vira uma catarse, pessoas que possuíam alguma mediunidade presentes no local, começam a passar mal, a linha telefônica do país congestionou e em frente as câmeras ele passa a sua mensagem de amor e paz. No mesmo momento, a produção do Programa do Chacrinha liga para as pessoas mais próximas criticando a preferência, pois naquele momento o programa de Flávio batia todos os recordes de audiência da televisão da época. Seu sete não pensa duas vezes e manda responder que também passaria lá para dar um abraço no outro apresentador e assim o fez. Em 20 minutos, o Exú já estava adentrando os estúdios da TV GLOBO, no Jardim Botânico, e também entra triunfantemente no palco. E a história se repete, várias chacretes passam mal, pessoas no palco também incorporam e ele vai direto abraçar Chacrinha e lhe dar um recado no pé do ouvido: “ … – Fique firme seu filho não irá morrer, mas viverá numa cadeira de rodas para sempre …”. O filho do apresentador estava internado no hospital naquela semana após um acidente, o apresentador desaba em choros. A entidade também manda sua mensagem de paz nas câmeras, joga cachaça no palco e vai embora. Todas as pessoas voltam ao normal e o Brasil passa a semana inteira comentando sobre o que acabaram de assistir.
No dia seguinte, Igreja, Regime Militar, Imprensa emitirem notas atacando os dois programas de auditório. Criou-se um órgão federal controlador da umbanda e o governo abriu uma investigação com o intuito de fechar o terreiro, sob acusação de exploração da crendice popular e propaganda do charlatanismo, o que acabou não acontecendo. Há uma história de bastidores, que até a esposa do General Médici também teria incorporado no dia, vendo o programa em casa e o mesmo foi aconselhado: “ … Não mexa com o que você não conhece …”. A investigação foi estranhamente arquivada. Incrivelmente mãe Cacilda não recebeu o apoio nem da Federação de Umbanda sediada no Rio. A mesma dirigida por PAI PEDRO MIRANDA chegou a duvidar de que Seu Sete era legítimo Exu de Umbanda. Só se retratando anos depois, porém quem nunca lhe abandonou foi o povo, esse ao contrário, após o ocorrido a frequência no terreiro aumentou mais ainda chegando a receber entre 15 a 20 mil pessoas em cada sessão, obrigando na década de 70 a realização de obras de intervenção para poder acomodar a multidão, estacionamentos eram construídos nos terrenos baldios do bairro para poder comportar carros e ônibus de excursão que chegavam de todas as partes. E assim foi até a década de 90, quando Mãe Cacilda resolve deixar de atender.
Essa história foi pesquisada pelo escritor CRISTIAN SIQUEIRA que escreveu a obra “O Fenômeno Seu Sete da Lira – Cacilda de Assis a médium que parou o Brasil” . Fica muito claro que após o episódio a “repressão” em relação à Umbanda no Rio de Janeiro, entra numa nova fase. As televisões são proibidas de realizar qualquer matéria sobre o assunto, imprensa adota um perfil mais conservador e consequentemente surge o apoio ao crescimento das Igrejas neo-pentecostais. O racismo estrutural sempre foi uma política de Estado. Mãe Cacilda teve a mesma relevância para a Umbanda que Mãe MENININHA DO GANTOIS para o candomblé.
Não é de se surpreender que sua história seja invisibilizada até hoje !!!
Saravá os guias da Umbanda ….
André Luiz S. Marinho
(Contramestre de capoeira Angola e
pesquisador de cultura popular)
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@bondeangola