“… Pula fogueira iaiá
Pula fogueira ioiô
Cuidado para não se queimar
Olha que a fogueira, Já queimou o meu amor …”
(Getúlio)
Há 57 anos atrás nos deixava, uma lenda da cultura carioca, S. GETÚLIO MARINHO, o “AMOR” (Foto), apelido que carregava desde pequeno. Filho de D. Paulina e de S. Antonio Marinho (músico conhecido como “Marinho que toca”), mudou-se para o Rio de Janeiro com a família aos seis anos vindo da Bahia. Ainda com a mesma idade, integrou o tradicionalíssimo rancho DOIS DE OURO. O menino Getúlio foi criado frequentando as casas das tias baianas, como BEBIANA, GRACINDA, CIATA e CALÚ BONECA. Na adolescência participou dos primeiros ranchos carnavalescos cariocas criados por baianos do bairro da Saúde como PORTA-MACHADO (eram os protetores do estandarte, geralmente os melhores capoeiristas do bairro), lá conheceu o lendário HILÁRIO JOVINO, que viria a ser seu mentor.
Viveu sua infância e adolescência na lendária “Pequena África”, antiga região central da cidade do RJ, aonde nasceu o samba e demais manifestações culturais. O destino lhe reservou um verdadeiro presente, quando pequeno pode conviver e aprender as manhas e passos da tradição dos BALIZAS, chamados hoje de mestres-salas, com o pioneiro Mestre Hilário, também chamado de LALÚ DE OURO (leia sobre ele no outro texto, links: http://ipcb-rj.com.br/?p=691 ou https://www.instagram.com/p/B817VWOpFcb/…), normalmente eram escolhidos entre os valentões da região (muitos eram CAPOEIRAS) para proteger o estandarte bailando. Tornando-se o ícone da segunda geração de mestres-salas do carnaval carioca virou um grande especialista e referência nesta arte, segundo o Dicionário Ricardo Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Também era tocador de OMELÊ, uma cuíca primitiva.
Para se destacar, no meio, adotou uma indumentária própria, usando sempre impecáveis ternos, passou a ser conhecido pela elegância que emprestava a sua apresentação nos ranchos que dançou, também possuía bom trânsito na redação dos jornais da época e com as autoridades locais. Iniciou a carreira artística em 1916, atuando como dançarino na revista Dança de Velho, peça apresentada no Teatro São José. Desfilou no ano seguinte no rancho FLOR DO ABACATE, depois no QUEM FALA DE NÓS TEM PAIXÃO e em 1921, passou a atuar no rancho REINADO DE SILVA (famoso na época, por ter sido fundado por estivadores). Nos desfiles estava sempre vestido de forma impecável, com roupas de fidalgo, sapatos de fivela e salto alto, de luvas e cabeleira empoada, como se fosse alguém vindo das cortes francesas, era comum receber aplausos do público presente aos desfiles quando se apresentava. É dele o passo aonde se encosta o peito do pé na dobra da outra perna e se desce quase até o calcanhar flexionando a perna abanando o leque, um legado imitado até hoje.
Não bastasse sua participação e fama consolidada no carnaval carioca, Getúlio também passou a se destacar pelas composições de samba que fazia, nos primórdios de um mercado fonográfico que começava a surgir na antiga capital. A primeira composição gravada em 1930, o samba “NÃO QUERO AMOR” com um grupo criado por ele chamado Conjunto Africano. Fez uma bem sucedida parceria com o cantor Francisco Alves resultando nos sucessos “APANHANDO O PAPEL” (1931) e “PULA A FOGUEIRA” (1936), cantada até hoje. Na década de 30, gravou outros sambas e se tornou um dos maiores nomes do samba carioca. Em 1934 ajudou a fundar a União das Escolas de Samba, de cuja primeira secretaria fez parte, a entidade instituiu o concurso “Cidadão Samba”, título que Marinho recebeu no ano de 1940.
Frequentador de terreiros de Umbanda, conheceu pais de santo famosos como JOÃO ALABÁ, ASSUMANO e ABEDÉ. Getúlio foi se apaixonando pela linhas melódicas dos pontos de santo que ouvia (cantigas religiosas) e passou adaptá-los e os gravou em discos. Foi pioneiro na gravação de músicas que exaltavam as culturas afro-brasileiras e assim também ajudou na divulgação da religiões de matriz africana. É dele a gravação de “PONTO DE OGUM” e “CANTO DE EXU” (1930) em dueto com Mano Elói e do “REI DE UMBANDA” (1932) em dueto com Moreira da Silva. Também compôs outros dois pontos em 1932 gravados no disco de João Quilombô chamados “PISA NO TOCO” e “QUILOMBÔ”. Toda sua obra está disponível atualmente com gravação original na plataforma do YouTube.
Sua elegância ficou de legado para as gerações de sambistas que viriam em seguida como Ataulfo Alves e Paulinho da Viola e seus passos fazem parte das aulas nas escolinhas de formação de mestre-sala, apesar da dança hoje sofrer descaracterização com o samba acelerado e a necessidade de se pontuar para os 40 jurados espalhados nos camarotes da Sapucaí. A arte dos antigos BALIZAS se manteve viva no bailado de ÉLCIO PV, RONALDINHO e CLAUDINHO, os mestres salas mais premiados do carnaval carioca contemporâneo, e DELEGADO, considerado o maior de todos (em 36 anos de desfile pela Mangueira só ganhou nota dez dos jurados). Suas músicas foram, em vida, gravadas por inúmeros artistas de sucesso da época, como Francisco Alves, Henricão, J. B. de Carvalho, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Bide, João da Baiana, entre outros. Foi o nome do carnaval carioca nas décadas de 30 e 40, junto com ISMAEL SILVA e BIDE, porém hoje ninguém fala nele.
Getúlio Marinho faleceu no Rio de Janeiro em 31 de janeiro de 1964, aos 74 anos de idade, no Hospital dos Servidores do antigo Estado da Guanabara, trabalhou como funcionário público no cargo de servente da Inspetoria dos Serviços de Profilaxia do Departamento Nacional de Saúde Pública durante muitos anos, o que lhe rendeu uma pequena aposentadoria.
André Luiz S. Marinho
(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)
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