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Curt Nimuendajú – o alemão que foi pioneiro sobre os estudos indígenas no Brasil

Foto 3 - Curt Nimuendajú Etnólogo traçou o mais importante mapa dos povos indígenas no país

Apesar de quando se fala em Alemanha, a lembrança imediata é a dos “7 a 1”, do ponto de vista cultural a ligação e influências são maiores. Houve uma tradição de pesquisa com viajantes exploradores vindos de lá como Johann von Spix, Karl von den Steinen e o mais famoso CARL VON MARTIUS, no século 19. Todos possuíam pesquisas ligadas às ciências naturais como a botânica e divulgaram seus trabalhos na Europa.

No mês de dezembro, há 75 anos morria um outro alemão que iniciou a história da pesquisa indigenista no país, chamado KURT UNCKEL. Aos 20 anos de idade, em 1903, deixou um próspero emprego na fábrica de lentes em Zeiss, na Alemanha e realizou seu sonho de infância, vir para o Brasil.
Em 1905, o alemão conheceu a tribo Guarani, no oeste de São Paulo, ficando por lá até 1907. Durante este período, após cerca de um ano morando com os Apokokuva-Guarani, Unckel foi adotado como filho do cacique e pajé AVACAUJU. Segundo seus escritos, seu batismo indígena ocorreu na noite do dia 15 de julho de 1906. Depois da meia noite, mulheres e crianças teriam entrado em uma casinha, onde deram início as danças e cantorias tradicionais para a ocasião. Perto do amanhecer, Curt foi chamado para entrar na casinha, onde encontrou Avacauju acompanhado por um MARACÁ (espécie de chocalho indígena sagrado), enquanto molhava sua testa com água retirada de uma cuia, após repetir a ação várias vezes o pajé anunciou seu batismo, a partir daquele momento nascia o maior etnólogo e indigenista da 1ª metade do século XX, seu nome indígena torna-se NIMUENDAJÚ (“aquele que fez sua morada”). O primeiro nome foi “abrasileirado” para Curt, e, em 1922, ele se naturalizou brasileiro, tendo abandonado o sobrenome original.

Vivendo como um membro da comunidade indígena, CURT NIMUENDAJÚ vivenciou a perseguição sofrida pela tribo Apokokuva-Guarani, o que causava morte e destruição. Ele se envolve na principal discussão da causa indigenista do começo do século que era sobre “exterminar os indígenas ou protegê-los das explorações ocorridas em suas terras”. A situação atinge o estopim após a publicação de um documento do conhecido zoólogo higienista alemão HERMANN VON IHERING, no qual o autor usa a expressão “extermínio de índios”, ao classificar os “índios mansos” e “índios bravios” (nessa lista incluía os índios da tradição Jê, os Kaigang de SP e os Botocudos de SC). Curt Nimuendajú se mostra totalmente contrário ao comentário de seu conterrâneo, inclusive tendo publicado um artigo no jornal alemão Deutsche Zeitung, em novembro de 1908, argumentando que suas propostas eram absurdas e isso começa a chamar a atenção da comunidade internacional para o tema e lhe dar prestígio. Uma das maiores preocupações de Nimuendaju eram as consequências do contato dos índios não apenas com o homem civilizado, mas também com outros grupos tribais. Por isso, encarregou-se de elaborar projetos de pacificação de grande número de tribos e sugeriu procedimentos destinados a regular os contatos inter-tribais.

Seu primeiro trabalho etnográfico de enorme importância e repercussão, apareceu em 1914 em uma renomada revista alemã (Zeitschrift für Ethnologie), sob o título (aqui traduzido) de “Os mitos de criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapokuva Guarani”. Com esse trabalho o interesse por suas pesquisas e expedições chega aos museus da Alemanha que resolvem financiar seus estudos.

Com o fim do apoio financeiro dos museus da Alemanha, devido à crise da República de Weimar Curt passa a receber outros apoios internacionais, o mais importante veio de ROBERT LOWIE, um dos grandes nomes da antropologia americana, especialista nos índios norte-americanos. Os dois trocaram cartas durante anos, sem nunca terem se conhecido. Graças a essa aproximação, Nimuendajú pôde publicar nos Estados Unidos suas monografias sobre os povos Apinayé, Xerente, Canela e Tikuna. A série de ensaios sobre a organização social das tribos de LÍNGUA JÊ (tronco linguístico ao qual ele se tornou um dos maiores especialistas), publicada nos Estados Unidos a partir de 1937, é considerado um dos mais importantes trabalhos de sua volumosa obra.

Nimuendajú publicou trabalhos em alemão, inglês e português. Produziu um Mapa Etno-Histórico considerado único, em 1940, que foi impresso em 1981 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele é um gigantesco banco de dados sobre a distribuição no espaço e no tempo das tribos indígenas brasileiras, identificação do nome das tribos indígenas brasileiras atuais e extintas, conhecidas até aquela data. Também é até hoje um importante fonte de pesquisa para sua classificação linguística, localização atual, localização histórica e o sentido de suas migrações.

Em 10 de dezembro de 1945, Curt Nimuendajú faleceu numa aldeia dos Tukúna, perto de Santa Rita, no alto Solimões. Sua morte ainda gera muitas dúvidas, pois há versões que afirmam ele ter sido envenenado pelos próprios membros da tribo descontentes com o envolvimento amoroso do mesmo com uma das mulheres da tribo e outra trata de uma morte encomendada por lideranças locais da região, devido sua atuação na causa indigenista.

Seu acervo foi coletado e distribuído entre os museus de Gotemburgo (Suécia), Hamburgo, Dresden, Leipzig (no Museu Grassi localizado nessa cidade, parte do acervo foi destruída por bombardeios na II Guerra), Munique e Berlin (todos na Alemanha), o Museu Emílio Goeldi (Pará) e o Museu Nacional, infelizmente parte foi destruída no fatídico incêndio do dia 02∕09∕2018. O acervo só não foi totalmente perdido graças ao empenho de pesquisadoras do Museu que vinham se dedicando à digitalização de seu material. Havia um acervo fotográfico composto por 457 fotos em papel, após a digitalização o foram reunidas em um DVD chamado Índios do Brasil.

O resultado das quatro décadas de estudos etnológicos foram 34 pesquisas de campo, majoritariamente pioneiras, entre mais de 50 etnias indígenas e um grande número de publicações sobre linguística, antropologia e arqueologia indígena, em parte lançadas apenas post mortem. O alemão que mais amou e defendeu a cultura brasileira é uma unanimidade entre a antropologia nacional, mas sequer é citado na historiografia do país, muito menos nas grades do ensino médio. Que aqui se consiga fazer um pouco de justiça ao seu nome.

Foto: Acervo pessoal do Curt Nimuendajú, tirada numa expedição.

André Luiz S. Marinho

(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)

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