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A Batalha de Ambuila (Mbwila) – a queda da última resistência africana à Portugal

Foto 2 - Imagem de missa no Reino do Congo

No final de outubro de 1665, houve o último grande conflito na África, no século XVII, entre um reino africano e o império português. O resultado dele trouxe a estrutura necessária para o crescimento do tráfico negreiro criado por Portugal e o fortalecimento do regime escravocrata no Brasil-colônia.

No Brasil, incrivelmente, não se estuda sobre a história deste sofrido continente, como se seus acontecimentos não tivesse relação direta com a história brasileira. É importantíssimo cada vez mais estudá-lo para se entender as mazelas sociais contemporâneas e desmascarar a mentira do NEGACIONISMO defendido pelo atual Governo. Quando se nega o racismo e até a presença do português na África, na verdade, se está colocando em prática um perverso projeto retórico de INVISIBILIZAÇÃO da barbárie que foi a escravização dos africanos, uma das maiores atrocidades ocorridas na história da humanidade.

O Império do Congo e o de Portugal iniciaram contato a partir de 1483, durante a dinastia do rei D. João II. O reino africano era comandado também por um rei que recebia o título de MANICONGO, tinha 12 conselheiros e era muito respeitado. Os dois reinos foram importantes parceiros comerciais, aonde se fornecia sal, metais e tecidos animais para a Europa, em troca de armas contra os reinos inimigos da região, naquele momento era um dos maiores reinos da África Central, sua capital chamava-se MBANZA CONGO, que mais tarde se chamaria São Salvador, tinha como atividade comercial, agricultura, pastoreio e metalurgia (reservada aos nobres). Esse intercâmbio cultural propiciou a conversão do rei (NZINGA NKUNVU) ao catolicismo e até o envio de um representante do reino para a Europa e a recepção de padres portugueses para a propagação da fé católica, posteriormente adotaria um nome católico e passou a se chamar JOÃO I, sucedido posteriormente por AFONSO I. Na verdade, por um lado houve apenas a adaptação do cristianismo às tradições locais e do outro apenas o interesse por metais e depois pela escravização dos africanos para fins comerciai, principalmente após 1500 quando Portugal invadiu o Brasil. As relações começaram a se deteriorar.

Apesar do estremecimento nas relações durante o século XVI o rei português possuía um problema maior para tratar chamado RAINHA NZINGA, que até 1663 (ano de sua morte) foi o grande obstáculo a dominação portuguesa no continente, seu nome e imagem estão vivos até hoje na história da África. Em parte, com os mais de 40 anos de guerra com os reinos de NDONGO e MATAMBA, comandados por ela, a colônia de Luanda teve que ser fortalecida e após a morte da rainha, só restaria um obstáculo para o domínio total da região, o Congo. Até 1590, já tinham morrido 1700 europeus em Angola pelas batalhas ou pelas doenças tropicais. O Manicongo foi aliado de Portugal, chegando até enviar um exército em 1579 para ajudar nas batalhas, mas no início do século XVII, Luanda se tornou a colônia portuguesa mais poderosa da África, pelo seu porto passou milhões de negros escravizados, minérios e tecidos. O apoio do Congo já era dispensável.

Em seguida iniciou-se uma disputa política por pequenos reinos semi-independentes chamados DEMBOS, localizados na fronteira com Congo, numa expansão portuguesa que culminou na sua invasão e tomada de uma parte do sul congolês, chamada AMBUILA. Havia uma disputa interna dentro desse Dembo, a qual Portugal se aproveitou para apoiar um clã e ocupou o local, o Manicongo mandou seu exército para a região, foi a ruptura definitiva da aliança.

O grande destaque dessa guerra foi um povo, que se tornou o mais temido da África Central, os lendários JAGAS (também conhecidos como Imbangala). Ainda se discute a origem desse povo, mas acredita-se que também tenham emigrado do IMPÉRIO LUNDA, rejeitando as mudanças políticas daquele estado. Tornaram-se nômades e seu povo se dividiu em várias árvores genealógicas, uma se aliou a empresa colonial portuguesa e viraram um exército de mercenários, introduzidos na região que hoje é o território de Angola, os Jagas se estabeleceram, formando o reino de Kasanje no rio Kwango. Outro clã, que se deslocou para o interior, foi aliado da rainha Nzinga o qual submeteu Portugal a inúmeros derrotas.

Eram sociedades totalmente militarizadas, baseadas inteiramente em RITOS DE INICIAÇÃO, em oposição aos ritos de parentesco costumeiros da maioria dos grupos étnicos africanos. Para evitar que o parentesco substituísse a iniciação, as mulheres foram autorizadas a deixar o QUILOMBO (aldeia) para ter seus filhos, mas quando voltavam, a criança não era considerada um Jaga até ser iniciada. Em uma tradição quase ESPARTANA, as crianças eram treinadas diariamente em grupos e combates individuais. Durante o treinamento, eles usavam uma coleira que não podia ser removida, mesmo após a iniciação, até que matassem um homem em batalha. Crianças nascidas na aldeia eram mortas. Outra tradição desenvolvida com o tempo foi acolher crianças capturadas em cativeiro e integrá-las ao seu estilo de vida.

A batalha ocorreu segundo cronistas com a liderança de LUIZ LOPES SEQUEIRA para as tropas portuguesas, seu nome está nas ruas e na história da cidade comandou 360 mosqueteiros portugueses e de 6 a 7 mil jagas, de um lado. E do outro, partira o próprio rei com o grosso das suas forças, que iam aumentando à partida que se deslocavam. Ao seu lado encontravam–se o Duque de BAMBA, capitão general das forças congolesas, o poderoso Conde de SONHO, entre outros nobres, segundo o historiador ANTONIO OLIVEIRA DE CARDONEGA. Durante a batalha, o rei foi morto e decapitado e sua cabeça espetada e erguida em cima de uma lança alta, o fato desmobiliza o exército congolês, que parte em retirada. Em sua perseguição, lançaram–se os temidos Jagas, calcula-se terem morrido em torno de cinco mil congoleses, entre eles 400 fidalgos da alta nobreza.

Historiadores consideram essa Batalha a causadora da divisão e fim do poderoso reino do Congo, pois com a morte de quase toda a sua nobreza houve uma lacuna de poder e seguidos conflitos internos causaram a cisão do reino. Sem a oposição do ex-poderoso Congo, o sequestro de africanos para a escravidão se consolidou na África Central.
No Brasil, todas essas batalhas podem ser vistas, através de nossas tradicionais CONGADAS, manifestação cultural do sudeste brasileiro nascida nas cidades mineiras que reproduzem as batalhas e coroações dos reis do Congo e Moçambique, através da cultura popular se traz todas essas memórias escondidas dentro das ritualidades e liturgias, porque no Brasil não se ensina essas tradições dentro das escolas? Alguém se arrisca a dizer?

Obs: Gravura do texto é do Capuchinho Bernardino Ignazio, pintado no Congo em 1740.

André Luiz S. Marinho

(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)

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