“… A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto …”
(Darcy)
No último dia 26 outubro comemorou-se 98 anos de nascimento de um dos maiores pensadores brasileiros chamado DARCY RIBEIRO. Ele foi antropólogo, historiador, sociólogo e escritor de uma obra lida e traduzida para diversos idiomas. Seu extenso trabalho de estudos em relação aos indígenas e à educação no país é referência até hoje, mas a verdade é que o “Darcy político” é mais conhecido do que o “Darcy pensador”. O Brasil e a academia precisam corrigir isso.
Quando pequeno frequentou o Grupo Escolar Gonçalves Chaves e o Ginásio Episcopal de Montes Claros. Ao término desta fase fixou residência no estado São Paulo e iniciou sua formação em Ciências Sociais na instituição de ensino de Sociologia e Política, com conclusão em 1946.
Darcy tornou-se um indigenista e viveu por dez anos entre os índios Bororo, Kadiwéu, entre outras etnias, decifrando seu modo de existir e pensar, aonde escreveu posteriormente um livro de memórias. Também conheceu e conviveu com o lendário MARECHAL RONDON, seu tutor e de quem se tornou o herdeiro na luta em defesa dos índios. No ano de 1953 o antropólogo organizou o MUSEU DO ÍNDIO, primeira instituição brasileira criada para lutar contra o preconceito sobre eles e o senso comum que descrevia os indígenas como “canibais, preguiçosos e violentos”. Fruto deste trabalho foi sua obra conhecida como a ANTROPOLOGIA DA CIVILIZAÇÃO com qual se debruçou por toda a sua vida. Também participou do projeto de criação do PARQUE INDÍGENA DO XINGU, localizado no Mato Grosso, aonde colaborou com a fundação junto com EDUARDO GALVÃO e os IRMÃOS VILLAS-BOAS, em 1961.
Na Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas lecionou Antropologia e na Faculdade Nacional de Filosofia lecionou Etnografia Brasileira e Língua Tupi. Em 1955, organizou o primeiro curso de pós-graduação em Antropologia Cultural no Brasil e em 1958 foi presidente da ABA (Associação Brasileira de Antropologia).
No governo de Juscelino Kubitschek, recebeu o convite para participar do grupo de estudos que criaria a Universidade de Brasília, fazia parte do projeto da nova capital do país, junto com seu grande amigo professor ANÍSIO TEIXEIRA elaborada no início da década de 1960, ficando também na história desta instituição por ter sido seu primeiro reitor. A UnB representou um avanço ao substituir as cátedras, o estudante tinha uma oportunidade de incorporar uma cultura universitária, um aprendizado de convívio social para depois ser preparado para a profissão escolhida, infelizmente com o GOLPE MILITAR DE 1964, o campus foi invadido por tropas militares e o projeto só seria novamente implantado na década de 80.
Darcy Ribeiro foi ministro da Educação durante Regime Parlamentarista do governo do presidente JOÃO GOULART e chefe da Casa Civil. Também foi convidado a participar de reformas universitárias no Chile, Peru, Venezuela, México e Uruguai, depois de deixar o Brasil devido à ditadura militar de 1964. Teve seus direitos políticos cassados e como consequência foi exilado no Peru e Chile. Nesse período escreve “O PROCESSO CIVILIZATÓRIO: etapas da evolução sócio-cultural”, obra publicada por toda a América Latina.
Retorna ao Brasil em 1976 dedicando à educação pública e em 1980 foi anistiado, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, foi convidado por Leonel Brizola para ser seu Vice-Governador, quando pela primeira vez ocupa um cargo político. Deu continuidade as suas ideias sobre EDUCAÇÃO se envolvendo com vários projetos como a idealização do CIEP (Centro Integrado de Ensino Público), escolas aonde alunos ficariam em tempo integral estudando diversos tipos de disciplinas de cunho recreativo e cultural num projeto pedagógico revolucionário inédito no Brasil, criação da Biblioteca Pública do estado, criou a Casa França-Brasil, a Casa Laura Alvim além do Sambódromo do Rio de Janeiro, onde instalou 200 salas de aula para permitir seu funcionamento como escola primária. Em vários momentos homenageou o amigo Anísio Teixeira, já falecido, como também responsável por aquela revolução educacional. Darcy se candidatou, mas não conseguiu ganhar as eleições do Estado do Rio de Janeiro e os governos posteriores iniciaram um processo lento de desmonte de sua política educacional, hoje os CIEPS estão abandonados.
Foi eleito para Senador e inicia seu mandato pelo Rio de Janeiro, a partir de 1991. No mesmo ano foi convidado pelo governador do Rio de Janeiro para conceber uma nova universidade, localizada na cidade de Campos dos Goytacazes (interior do RJ), a Universidade do Terceiro Milênio, que hoje leva seu nome: a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Seu modelo de universidade inspirou a criação de novas universidades como as federais do ABC e do Sul da Bahia. Seu último grande ato pela educação foi a criação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que regulamenta a educação brasileira, em 1996.
Em 1995 publica a sua grande obra “O POVO BRASILEIRO: A formação e o sentido do Brasil” em que aborda a formação histórica, étnica e cultural do povo brasileiro, com impressões e estudos de sua vida toda. É justamente neste livro que ele reuni seus conceitos de POVO NOVO, TRANSFIGURAÇÃO ÉTNICA, suas propostas teóricas para a América Latina, entre outros pontos. O pensador se esforça em demonstrar como se deu a unificação de uma identidade étnico-nacional (ou MACROETNIA), apesar das formações culturais rústicas de cada região brasileira. O surgimento do Brasil Sulino, Brasil Caboclo, Brasil Caipira, Brasil Sertanejo e Brasil Crioulo do litoral (dos descendentes dos Engenhos e plantações de Café).
Suas ideias e suas obras sobre a identidade da América dialogaram e influenciaram vários estudiosos latino-americanos posteriores. Sempre foi crítico da visão eurocêntrica presente nos estudos sobre nossos povos e resistiu a essas imposições defendendo o fato de que nos trópicos havia uma OUTRA FORMA de se viver e sentir a vida. Nós não éramos o atraso e sim O FUTURO do mundo. É esse o legado deixado pela sua obra.
No momento de imposição de um modelo de projeto político e social que NÃO REPRESENTA nosso povo, é importantíssimo redescobrir a obra dos VERDADEIROS BRASILEIROS que se importaram com esse país e seu futuro. Com uma atuação no campo da política, pesquisa e educação ainda sem comparação na recente história do país, Darcy integra a lista de um dos maiores intelectuais de uma geração de pensadores que ainda teve PAULO FREIRE e FLORESTAN FERNANDES como referência.
O legado desse GRIOT deveria ser ensinado nas escolas de ensino médio e deveria estar mais presente nas Universidades. Os brasileiros precisam conhecer mais sobre o Brasil, para não se enganarem com a mediocridade do NEGACIONISMO atual !!!!
André Luiz S. Marinho
(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)
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