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OS RÁBULAS – O amor pela advocacia e a busca pela justiça

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“… escravo que mata seu senhor, atua em legítima defesa …”
(Luis Gama, nos autos de um processo)

Em homenagem ao dia dos advogados, último dia 11 de agosto, carreira que não segui mas tenho muitos amigos, deixo aqui a história dos dois maiores RÁBULAS (pessoas autorizadas a advogar sem serem bacharéis de direito em 1° instância, mediante uma CARTA DE PROVISIONAMENTO), que a justiça brasileira já conheceu. Pela forma como honraram esse belo ofício, sempre serão lembrados, além de uma bela história de vida, dedicaram-se a ajudar negros escravizados ou pessoas pobres que por algum motivo estiverem no lado dos réus.

O primeiro grande nome foi LUÍS GAMA (Foto à esquerda), negro, nascido em Salvador, em 1830, filho de um português de família aristocrata e da ex-escrava LUIZA MAHIN (uma das líderes da Revolta dos MALÊS). Aos 10 anos foi vendido para pagar dívidas de jogo por seu pai, junto com outros escravos, foi embarcado no vapor SARAIVA e despejado no Porto de Santos, de onde seguiria a pé até Campinas.
Mais tarde, em São Paulo, lavou, passou, engomou e serviu como sapateiro, mas ao mesmo tempo aprendeu a ler, tomou gosto, estudou e se tornou autodidata. Frequentando a região do Largo de São Francisco faz amizade com estudantes do curso de Direito e conhece aquele que seria seu mentor CONSELHEIRO FURTADO, importante professor do curso e Chefe de Polícia da cidade, que lhe franqueou o acesso a biblioteca da faculdade, o jovem Luis leu todos os livros que teve acesso e consegue sua liberdade nos tribunais, por via judicial, nascia ali o primeiro grande rábula do Brasil.

Luís além de se tornar um grande jornalista se dedica as chamadas CAUSAS DE LIBERDADE, aonde estampava nos jornais anúncios divulgando seus serviços na defesa de negros em situação de ESCRAVIZAÇÃO ILEGAL, como ele dizia, reivindicando a Lei de 1831, que teria abolido o tráfico interoceânico de negros escravizados, em tese, se o africano for a trazido ao Brasil depois dessa data, a escravização era ilegal. Isso fez com que ele recebesse centenas, talvez milhares de causas dessa natureza e teve vários êxitos no Fórum de São Paulo, causando desconforto e revolta nas elites escravocratas, dessa vez a “lei para inglês ver” passou a funcionar.

Luís aproveitou do compromisso do Reino de Portugal com a Inglaterra, que fazia pressão para o fim da escravidão, pois a considerava um empecilho para sua Revolução Industrial, e aprovou a Lei 1831, deixando o Judiciário de mãos atadas. Outra tese jurídica defendida por ele foi da TERRA LIVRE, aonde um negro que chegasse em um país que já tivesse abolido a escravidão não poderia ser de novo escravizado no Brasil. A consequência de sua atuação forense foi o rompimento da amizade com seu mentor Conselheiro Furtado, que passou a ser muito pressionado pelos fazendeiros de São Paulo.
Luis Gama formou à sua volta uma volumosa corte de admiradores entre negros, estudantes da Faculdade de Direito, escritores e jornalistas, calcula-se que tenha conseguido a liberdade de mais de 500 negros JUDICIALMENTE. Em 2015, a OAB-SP, junto com o Conselho Federal concederam a ele o registro tardio “post mortem” de advogado, por tudo que ele representa na história jurídica do país e seu nome figura como PATRONO DA ABOLIÇÃO. Seu enterro, no dia 24 de agosto de 1882, foi uma apoteose que mobilizou toda a provinciana São Paulo.

O último rábula que se tem notícia foi outro não menos famoso COSME DE FARIAS (Foto, à direita), baiano de Salvador, nasceu no distante subúrbio de Paripe em 1875. Menino pobre, mulato de periferia ganhava uns trocados fazendo na região próxima do antigo Fórum de Salvador, aonde hoje fica a Prefeitura e o atual Palácio Rui Barbosa, conhecia seus corredores como ninguém e passou a pegar gosto por assistir audiências.

Em 1895, sua carreira começa após um incidente numa, o advogado de defesa tinha faltado, o juiz então nomeia o menino Cosme conhecido de todos para atuar na defesa de ABEL NASCIMENTO acusado de roubar 500 réis na época, o jovem sem pensar duas vezes aceita o desafio, passou os olhos nos autos e livrou o réu da prisão argumentando que a falta de oportunidade na vida o conduzira ao crime, uma defesa que deixa a todos atônitos conseguindo sua liberdade, após a audiência o juiz lhe assina uma carta de provisionamento para que ele pudesse ajudar na defesa de outras pessoas sem condições de pagar um advogado, nascia o ADVOGADO DOS POBRES e um dos maiores do país, como passou a ser conhecido na cidade por mais de 50 anos.

Foi patenteado “Major” pela Guarda Nacional, em 1909, devido aos serviços prestados e adiciona essa alcunha na suas oratórias das tribunas dos vários Júris, que participou. Em 1915 fundou a “LIGA BAIANA CONTRA O ANALFABETISMO “, instituição que funcionou até a década de 1970, publicando cartilhas e mantendo escolas para ajudar na alfabetização da população mais pobre, da capital e de algumas outras cidades baianas, apesar de não ser bacharel era um devorador de livros e desenvolveu uma retórica que acostumava deixar os promotores do Ministério Público e advogados assistentes de acusação desconfortáveis, pois não hesitava em corrigi-los na tribuna, diante do mínimo erro de português.

A sua filantropia lhe fez advogar para muitos CAPOEIRISTAS, que costumavam ser detidos apenas pela prática da luta ou por conflitos com as forças policiais na hora de suas detenções. Teve como clientes os famosos valentões da Bahia da primeira metade do século XX como PEDRO PORRETA, CHICO TRÊS PEDAÇOS, PEDRO MINEIRO, BASTIÃO e BRANCO.
Na advocacia, sua maior realização foi o habeas corpus em favor de Sérgia Ribeiro da Silva, a cangaceira DADÁ, viúva de CORISCO (o diabo louro), em 1942 e única mulher do cangaço a manipular armas. Em 1942, Major Cosme impetrou recurso pela soltura da viúva do substituto de Lampião na liderança do bando. Dadá tinha sido ferida na perna direita e aprisionada pelas Forças Volantes, em 1940, numa ação encerrada com a morte do seu marido. Quando perguntado ele dizia que o fez por uma questão de humanidade, a mesma teria a perna amputada posteriormente.

Também foi eleito vereador e deputado estadual por várias legislaturas desde 1914. Quando morreu, em 1972, ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa da Bahia, sendo à época o mais velho parlamentar do mundo, hoje o Plenário da Câmara Municipal de Salvador, palco de vários discursos, possui o teu nome. Acostumava atender na porta de sua casa, no Fórum ou aonde alguém lhe procurasse, uma média de 30 pessoas por dia e raros eram os momentos que não fazia uma petição na hora. Acredita-se que ele tenha atuado em mais de 30 mil processos, sempre pela causa dos mais pobres é até hoje o campeão de HABEAS CORPUS no judiciário baiano e acredita-se, também no Brasil. Tinha como estratégias desenvolvidas em anos de advocacia a utilização do elemento psicológico (comprovando várias patologias mentais em acusados), além da diminuição de penas, quando não inocentava, pela falta de provas ou questão social. Ele trouxe muito esse debate para a tribuna, a origem humilde e muitas vezes miserável de vários acusados.
No bairro aonde morava, chamado de QUINTA DAS BEATAS, viveu numa tapera sem luxo nenhum. Era tão amado pelo vizinhos que por inciativa deles foi sugerido que o bairro ganhasse seu nome, hoje é um bairro da periferia de Salvador, seu busto encontra-se na praça central.

Tanto Luis Gama como Major Cosme de Farias morreram pobres e advogaram pelo amor a uma causa, a luta pela justiça. As cartas de provisionamento, que autorizavam a atuação dos rábulas deixaram de ser expedidas pela OAB, na década de 70.

André Luiz S. Marinho

(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)

Veja mais sobre cultura brasileira.
– Instagram: @bondeangola
– Facebook: André Marinho

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