No mês de janeiro, mais uma vez, comemorou-se o Dia de São Sebastião que coincide com a fundação oficial da cidade, mas lamentavelmente esse passado de grandes batalhas e feitos épicos continua sendo negligenciado pelas autoridades locais. A cidade turística, ainda não aprendeu a respeitar e promover sua história. Hoje, além de não ser ensinado nas escolas, poucos cariocas sabem o que foi a BATALHA DO URUÇUMIRIM, um acontecimento digno de filmes hollywoodianos esquecido propositadamente da nossa oralidade popular.
A aldeia de Uruçumirim era um entrincheiramento realizado por uma enorme paliçada que se estendia da atual praia do flamengo até as redondezas do outeiro da Glória. Podemos chamar de “QG” da nação TUPINAMBÁ, a maior etnia do litoral sudeste, também chamados de Tamoios. Calcula-se que seus domínios íam da divisa com Santos (SP) até o norte do atual Rio de Janeiro (outras aldeias dessa etnia também se fixaram no nordeste), esse era o cenário quando da chegada dos portugueses. Eles possuíam uma longa rivalidade com os índios da nação TEMIMINÓ, que fugindo do poderio do inimigo tinham se refugiado na Ilha de Paranapuã (atual ilha de Paquetá, no RJ). Como também os tupinambás se tornaram inimigos dos portugueses por sucessivas tentativas de escravizá-los naturalmente criou-se uma aliança e eles liderados pelo cacique Maracajá-guaçu seguiram para a então Capitania do Espírito Santo, onde se reorganizaram, logo em seguida foram catequisados pelos jesuítas e se tornaram um importante exército armado da coroa portuguesa, chegando a juntar 8000 índios ao comando do filho do chefe, que iria entrar para a história do Rio de Janeiro, o guerreiro ARARIBÓIA.
Enquanto isso, os franceses se estabeleceram na Baía de Guanabara, a partir de 1555, em uma expedição francesa comandada por Nicolas Durand de Villegaignon. Fundou aqui uma colônia, que ganhou o nome de FRANÇA ANTÁRCTICA. Desse povoamento há vários documentos e registros públicos. Seu relacionamento com os tupinambás se resumia em escambos de pau-brasil, pimenta, algodão, macacos e papagaios em troca de contas de vidro, panos, espelhos, roupas, chapéus, anzóis, machados e facas. Segundo o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, os franceses se uniram às índias locais, gerando mais de mil mestiços que povoaram toda a região da Baía de Guanabara. Tal pode ser a origem do atual sotaque carioca, que é caracterizado pelo “erre” típico do francês e inexistente no português de Portugal e dos demais estados brasileiros, nas línguas indígenas brasileiras e nas línguas dos negros africanos. Estudiosos acreditam que brigas religiosas dentro do povoado contribuíram para seu enfraquecimento, pois foram trazidos tantos huguenotes quanto católicos, num momento que a própria França vivia um conturbado momento político-religioso, culminando na trágica Noite de São Bartolomeu, em 1572.
Diante disso, em 1553, o governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa, recomendou, em carta ao rei português Dom João III, a criação de uma cidade no local, então para esse fim foi enviado para a colônia seu sobrinho ESTÁCIO DE SÁ. O próprio lidera uma expedição e funda um povoado português entre os morros Cara de cão e Pão de Açúcar, no atual bairro da URCA, em 1º de março de 1565, com um efetivo de 220 homens, que passou a aguardar a chegada de reforços portugueses. O vilarejo recebeu o nome de São Sebastião, em homenagem ao rei de Portugal da época, D. Sebastião I. Não tarda para iniciar os ataques dos tupinambás e franceses durante dois anos deixando os soldados acuados entre as encostas dos morros e a Baía da Guanabara. Em janeiro de 1567, Mem de Sá organiza um ataque até então sem precedentes na recém empossada colônia. Enviou três galeões, dois navios, seis caravelas e muitas embarcações menores da Bahia com a presença do padre José de Anchieta, ao mesmo tempo um enorme exército de índios lideradas por Araribóia se deslocaram do Espírito Santo para a recém fundada Capitania Real do Rio de Janeiro. Iria começar a VINGANÇA dos Temiminós.
Chegaram no dia 18 de janeiro, mas só atacaram no dia 20, escolheram o dia do santo. De um lado havia outro temido guerreiro chamado AIMBERÊ, líder dos Tupinambás, do outro lado, Araribóia, tinha se tornado o cacique, após a morte de seu pai. A batalha envolveu 1200 combatentes (as forças temiminó-portuguesas somavam mais de 420 combatentes) e se dividiram em várias frentes atacando ao mesmo tempo a Ilha de Paranapuã e as paliçadas de Uruçumirim. Segundo as lendas que sempre surgem nessas batalhas, teria Arariboia atravessado as águas da baía à nado para liderar o assalto. Galgando penhascos, ele foi o primeiro a entrar no baluarte inimigo. Empunhava uma tocha, com a qual explodiu o paiol de pólvora e abriu caminho para o ataque. Durante a luta, uma flecha envenenada raspou o rosto de Estácio de Sá, que morreu posteriormente, vítima de infecção. Ao ataque, seguiu-se uma matança noturna, da qual as forças portuguesas e temiminós saíram vitoriosas. No combate também morreu o líder Aimberê, cuja cabeça (e as de outros líderes indígenas) foi cortada e exibida numa estaca. Seiscentos tamoios e cinco franceses morreram na batalha de Uruçumirim, e dez franceses foram enforcados no dia seguinte à batalha, de acordo com os registros de Anchieta: “… 160 aldeias incendiadas, passado tudo a fio de espada…”.
Os portugueses recuperaram o controle sobre a baía de Guanabara. A partir daí, a cidade do Rio de Janeiro, que, entrementes, havia sido fundada por Estácio de Sá em 1565 no sopé do morro Cara de Cão, teve assegurada sua sobrevivência e foi transferida para o topo do Morro do Castelo, por questões de segurança. Os franceses e tupinambás sobreviventes fugiram para o interior, na região de Cabo Frio. Com a vitória sobre os invasores, Mem de Sá, governador geral, achou melhor manter os bravos guerreiros por perto e atendeu à petição de Araribóia, que solicitava umas terras na “Banda d’Além”. Em 1573, receberam um terreno no outro lado da baía de Guanabara, onde teria a missão de proteger o outro lado da entrada da baía fundando a aldeia de SÃO LOURENÇO DOS ÍNDIOS, que depois receberia o nome de Niterói. Foi a única cidade na história do Brasil fundada por um índio.
Como a relação entre os índios e o homem branco nunca foi pacífica não tardou o surgimento de um foco de tensão, quando houve a troca do Governador da Repartição Sul do Estado do Brasil (com sede no Rio de Janeiro), Antônio Salema. Na cerimônia de posse, o mesmo criticou o fato do velho cacique estar sentado de pernas cruzadas, ouvindo como resposta: ” … Minhas pernas estão cansadas de tanto lutar pelo seu Rei, por isto eu as cruzo ao sentar-me, se assim o incomodo, não mais virei aqui! … ”
E assim o fez.
Tanto o RJ como Niterói, até hoje não sabem valorizar e manter suas histórias e memórias indígenas. Uma pena terem optado pelo processo de desaparecimento, assim como tentam fazer com a cultura negra. A cidade e as novas gerações precisam conhecer seu passado !!!
Obs: Tela de Antonio Firmino Monteiro sobre a Fundação da cidade
André Luiz S. Marinho
(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)
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