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Tatá Tancredo – Do Omolokô ao réveillon

Foto de Tatá Tancredo
“ … Lá vem o general da Banda êêê
Lá vem o General da Banda êêa
Mourão! Mourão!
Vara madura que não cai
Mourão! Mourão!
Cutuca por baixo
Que ela vai …”
(Tatá Tancredo)

Todo final de ano o carioca faz seus rituais no réveillon. Veste branco, vai para praia, leva flores ao mar e realiza uma série de gestos, mas poucos se perguntam, quando isso começou? Essa informação foi trazida pelo grande historiador Luis Antonio Simas, que não só desvendou sua origem, como seu grande idealizador, o lendário e mítico griot carioca, TATÁ TANCREDO SILVA PINTO.

Sua vida daria um livro, mas impressionantemente sua história é pouco divulgada. Ele foi uma referência emblemática de um passado que as autoridades da cidade parecem insistir em ocultar. Tancredo foi um grande líder político, espiritual e cultural do povo negro. Destacou-se como compositor chegando a gravar com Moreira da Silva, Blecaute, Zé Keti, Jorge Veiga e outros tantos. Viveu no Estácio e participou da criação da DEIXA FALAR, a primeira escola de samba do Brasil. Sua obra mais conhecida é “GENERAL DA BANDA” – louvação a Ogum e cantiga famosa nas rodas de pernada e batucadas da cidade. Também ajudou na organização da União das escolas de samba do RJ, embrião que seria a posteriormente a Associação das Escolas de Samba.

Além disso, foi sua liderança como guardião do OMOLOKÔ (antiga religião afro-brasileira que gera controvérsias entre os estudiosos, pois para alguns é considerada uma espécie de Umbanda, para outros ela seria o pai da umbanda carioca e, finalmente, também há quem a defenda como um tipo de candomblé). Seus conhecimentos nesses ritos o fizeram ser famoso no RJ. Começou a arriar suas oferendas nas praias mais distantes da Zona Sul na década de 1940, no dia 2 de fevereiro, como na Bahia, numa deserta Copacabana. Com o fim do corte da segunda galeria do Túnel Novo só concluída em 1949, o bairro explodiu demograficamente e o 2 de fevereiro foi sendo substituído pelo 31 de dezembro, na década de 50.

Ainda na década de 40, Tancredo teria recebido um sinal de Xangô para que ele fundasse uma sociedade para proteger os umbandistas, a exemplo do que fez para os sambistas, então foi fundada a UNIÃO ESPIRITISTA DE UMBANDA DO BRASIL, a primeira instituição criada para defender a umbanda no país, posteriormente também criaria a Confederação Umbandista do Brasil, usando parte do pagamento recebido pelo direito autoral do samba “General da Banda”, gravado por Blecaute. Também viajou para outros estados ajudando a fundar outras federações umbandistas para defender os direitos dos cultos afro-brasileiros entre eles São Paulo, Recife, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, tendo nesse último feito muitos eventos e vários filhos de santo, lá há casas de Omolokô até hoje, como a do pai OKALÁ DE XANGÔ. Segundo registros, os cultos eram realizados com bandolim, cavaquinho e órgão, porque não eram permitidos os atabaques, devido às perseguições policiais, isso até meados da década de 50.

Tatá Tancredo (“tata” é pai, no quimbundo e no quicongo, tronco étnico-linguístico da tradição Bantú) também foi um grande teórico da cultura afro-brasileira e foi um ferrenho opositor das propostas de “desafricanização” da Umbanda defendidas no Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda de 1941. Uma tentativa de “embraquecimento” da religião na primeira metade do século XX, sempre defendeu que sem a ancestralidade negra e indígena, não havia culto.

Recebeu em Sessão Solene na Câmara Estadual do antigo Estado da Guanabara, o título de Cidadão Carioca, pelos serviços prestados em favor do povo umbandista era natural de Cantagalo. Foi autor de trinta e duas obras literárias divulgando a Umbanda, entre elas: Iyao, Camba de Umbanda, Catecismo de Umbanda, Negro e Branco na Cultura Religiosa Afro-Brasileira, Mirongas de Umbanda, Eró da Umbanda, Cabala Umbandista, Doutrina e Ritual de Umbanda no Brasil, Revista Mironga, todas hoje obras raras. Teve uma coluna semanal no Jornal O DIA durante 25 anos, aonde escrevia sobre religiosidade e cultura negra.

Tancredo achava que a luta pela afirmação da umbanda e das religiões afro-indígenas do Brasil dependia da divulgação e da criação de redes de proteção social. E via nas festas públicas um momento propício para isso, afinal a festa faz parte de nossas culturas populares. Sendo assim, com o intuito de divulgar os cultos afros, criou as festas religiosas de Yemanjá, no Rio de Janeiro; a festa a Yaloxá, em Pampulha, e Cruzandê, em Minas Gerais, a festa do Preto-Velho, em Inhoaíba, homenageando a grande yalorixá Mãe Senhora, na cidade do Rio de Janeiro, a festa de Xangô em Pernambuco, além do evento “Você sabe o que é Umbanda?”, realizado no Estádio do Maracanã, na década de 1960. Além da histórica “Festa da Fusão”, quando fez uma reza no meio da Ponte Rio-Niterói, abençoando a fusão do Estado da Guanabara com o Estado do RJ. Tudo isso era possível devido seus estreitos contatos com várias autoridades da época como Chagas Freitas, Negrão de Lima, Golbery, Carlos Lacerda, entre outros.

Tancredo deixou um incrível legado para a cidade e sua cultura diaspórica. Ajudou na organização do samba, dos terreiros de umbanda, percebeu a importância de se mostrar a beleza de nossa cultura afro-brasileira para o grande público, criando eventos que hoje estão no calendário oficial das cidades (RJ, BH, Recife, Porto Alegre, por exemplo) e pode ter sido o grande influenciador da tradição carioca de aproximação com o candomblé, criando o que se chama no RJ de “UMBANDA TRANÇADA” ou “Umbandomblé”. Sua história deveria ser mais estudada e pesquisada. Mais uma vez palmas para o Luis Atônio Simas !!!

O grande Griot foi sepultado no dia 2 de setembro de 1979, no Cemitério de São Francisco Xavier (Caju). Seu corpo foi velado no Ilê de Umbanda Babá Oxalufan, em Coelho Neto. Hoje a confraternização nas areias virou atração turística, atrai pessoas do mundo inteiro, que usam o branco nas festas vips das redes hoteleiras. Em contrapartida, os atabaques foram silenciados e os terreiros buscaram alternativas para continuar batendo em praias for a dessa “centralidade turística”.

Foi mais uma apropriação cultural, em nome de um disfarçado racismo carioca !!!!

André Luiz S. Marinho

(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)

Veja mais sobre cultura brasileira no:
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Facebook – Andre Marinho

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