Zélio (10/04/1891 – 03/10/1975) nasceu em família tradicional de Neves, distrito de São Gonçalo, no RJ. Em fins de 1908, então com dezessete anos de idade, Zélio preparava-se para o ingresso na carreira militar, na Marinha do Brasil, quando foi acometido por uma inexplicável paralisia, que os médicos não conseguiam debelar. Certo dia, ergueu-se no leito, declarando “Amanhã estarei curado!”.
No dia seguinte, de fato, levantou-se normalmente e voltou a caminhar, como se nada lhe houvesse acontecido. Os médicos não souberam explicar o ocorrido. Os seus tios, padres da Igreja Católica, surpreendidos, também não souberam explicar o fenômeno. Um amigo da família, então, sugeriu uma visita à Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro, então sediada em Niterói, presidida, na ocasião, por José de Souza.
E lá na Federação Espírita de Niterói pela primeira vez, em 15 de novembro de 1908, manifesta-se o espírito de um caboclo pela mediunidade de Zélio. Prontamente ele é repelido como ocorria em outras instituições kardecistas, que consideravam esses espíritos de baixa luz. Protestou em defesa de outros espíritos, pretos e índios que não encontravam espaços para suas manifestações nos centros espíritas de então. Por conta das condições de suas últimas encarnações. Ele se levanta da mesa, o que também era proibido e nunca tinha acontecido até então, vai num jardim que havia no interior do local, pega uma flor e a coloca em cima da mesa.
E afirma para todos os presentes, que a partir daquele momento iria nascer uma nova religião, pois assim Deus ordenou. Aonde espíritos de índios e negros, que sofreram nessa terra, voltariam aqui para ajudar as pessoas e praticar a caridade. E como ele não era bem vindo ali, iria voltar no outro dia, na casa de Zélio. Quando perguntado sobre seu nome, ele respondeu: – Pode me chamar de Caboclo das sete encruzilhadas !!!
Na casa de Zélio, em Neves, no dia seguinte, na hora marcada se manifestou novamente a entidade do Caboclo perante uma plateia dos presentes na Federação e dos vizinhos que foram lá para saber o que estava acontecendo. E assim, a cada aparição, o Caboclo foi explicando aos presentes, sobre sua vida, sua missão e como deveria acontecer os ritos daquela futura religião, já que no começo se realizava os mesmos ritos das sessões kardecistas. Um exemplo é a utilização de uma mesa no centro da sala, prática que foi mantida. Nascia ali a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, o primeiro terreiro de Umbanda da história.
Numa certa noite, o caboclo deu sua vez a uma outra entidade, Pai Antônio, que sentou num cantinho e num banquinho, afirmando que mesa era lugar de branco, pediu um cachimbo, já com uma voz cansada e uma expressão facial mudada. Explicou aos presentes que ele era um preto velho desencarnado. Depois em um outro momento, uma terceira entidade iria se manifestar, chamada Mallet, que alguns estudiosos defendem ser uma qualidade do Orixá Ogum. Estavam ali as três entidades que trariam todos os fundamentos, que os médiuns precisariam para prestar a caridade, através da mediunidade.
Em 1909, o Caboclo das Sete Encruzilhadas muda o nome da religião de Alabanda para Aumbanda, substituindo a palavra. Embora o nome dado pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas tenha sido Aumbanda, o que se firmou e acabou sendo divulgado foi Umbanda. Com a consolidação dos trabalhos da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, a partir de 1918 e por ordem do próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas, médiuns pertencentes aos quadros da Tenda iniciaram, com o apoio de Zélio de Moraes, o processo de fundação de outras Tendas a partir do qual se deu a difusão da Umbanda por todo o território brasileiro. As Tendas foram assim denominadas:
• Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição (1918);
• Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia (1927);
• Tenda Espírita São Pedro (1935);
• Tenda Espírita São Jorge (1935), aonde se introduziu o atabaque no culto;
• Tenda Espírita São Jerônimo (1935)
• Tenda Espírita Oxalá (1939)
• Tenda Espírita Santa Bárbara (1952)
Zélio foi também vereador em São Gonçalo, aonde ajudou em atividades sociais na cidade e no seu bairro, Neves, em 1924. E ajudou na fundação da Federação Espiritista de Umbanda, atual União Espiritista de Umbanda do Brasil, trabalhando para a implantação e aceitação dos Caboclos e Pretos Velhos no ambiente social do início do século XX.
Atualmente, a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade localiza-se na Rua José Ribamar Pereira Ramos, 271, Boca do Mato, Cachoeiras de Macacu, no interior do Estado do RJ e foi transferida para lá por Zélio, em meados da década de 1950. Hoje está sobre a liderança de sua neta, Lygia Marinho da Cunha, e mantém os mesmos ensinamentos e preceitos de sua origem, como a não utilização de atabaques, utilização de uma mesa no centro do salão e também não há gira de esquerda.
André Luiz S. Marinho
(Contramestre de capoeira Angola e pesquisador de cultura popular)
Veja mais sobre cultura brasileira seguindo:
Facebook: André Marinho
Instagram: Bondeangola