Quando ISMAEL SILVA batizou o que a velha turma do Estácio fazia de ESCOLA DE SAMBA ele acertou na mosca. Realmente era mais do que samba, eram aulas gratuitas para aquele povo que não tinha acesso à educação. Incrivelmente, hoje nas comunidades cariocas esse número ainda é enorme, enquanto as escolas públicas são sucateadas.
A Imperatriz Leopoldinense (Escola campeã de 2023), sem entrar na velha discussão de merecimento de todo o ano, escolhe o enredo: “O aperreio do cabra que o Excomungado tratou com má-querença e o Santíssimo não deu guarida”. Contando uma parte da história de Lampião e trouxe a filha dele para o desfile, Sra Expedita Ferreira, de 90 anos de idade.
O nascimento dela mostra a última fase do cangaço, quando passam a aceitar mulheres no bando, foi assim que sua mãe MARIA BONITA, tb conhecida por Maria de Déa, apelido de sua mãe, entrou no bando. Depois de 15 anos, fugindo, trocando tiros e acumulando balas pelo corpo no sertão nordestino, o Rei do Cangaço como era chamado parecia estar cansado daquela vida nômade e ao conhecer Maria muda a vida do cangaço, consequentemente autoriza o mesmo pelo resto do bando, dão mais autonomia aos sub-grupos de cangaceiros, passam a se esconder mais tempo nas terras dos coronéis amigos e diminuem o conflito armado tanto com as VOLANTES (grupos para-militares que o perseguiam dia e noite) quanto com as cidades que preferiam lhe dar dinheiro a serem saqueadas pelos cangaceiros.
É nesse cenário Maria Bonita engravida pela quarta vez, após ter sofrido três abortos seguidos na inclemente caatinga do sertão. Expedita nasceu na sombra de um UMBUZEIRO com a ajuda de uma parteira e pode ter a companhia de sua mãe durante um mês, depois Lampião deu ordem para que a criança fosse entregue a um vaqueiro chamado SEVERO MAMEDE administrador de uma fazenda, perto de PORTO DA FOLHA, em Sergipe. Como a esposa do vaqueiro tinha tido filho a pouco tempo Expedita foi criada como uma “irmã gêmea”, em total sigilo, e o vaqueiro tinha ordens de entregar a criança para o irmão de Lampião, JOÃO FERREIRA, quando chegasse a idade de frequentar a escola. Para seu custeio, receberia através de enviados dinheiro para custear sua criação mensalmente.
Mais a infância dela nunca foi tranquila e o segredo não pode ser escondido por longo tempo. Ao ser descoberta, a criança foi retirada da guarda da família do vaqueiro chegando a ter sido tratada pela família de um juiz local, uma grande ironia da vida. Após uma briga na Justiça, o irmão João conseguiu a guarda e pode criar a criança em PROPRIÁ, cidade de Sergipe.
Seus pais a visitava poucas vezes e sempre com uma logística quase “militar” de homens e armamentos, mas cinco anos após seu nascimento, em 1938, eles travariam a sua última batalha, na região chamada de GROTA DO ANGICO, em Sergipe contra a volante do tenente JOÃO BEZERRA aonde morreram 11 no local, entre eles Lampião e Maria Bonita. Suas cabeças foram decepadas e colocadas em latas de querosene, aguardente e cal e expostos nas praças públicas por onde a volante passou até chegar no IML de Aracaju. Uma história que merece ser contada em outra oportunidade.
O corpo morre, mas a lenda permanece e ainda conquista títulos.
Parabéns Imperatriz !
André Luiz S. Marinho
(Contramestre de capoeira, pesquisador de cultura popular e batuqueiro)